O quanto as crianças nos ensinam se estivermos dispostos a aprender com elas! Gosto de pensar na interacção humana como um momento musical, sem maestro, claro! No início, observa-se uma atitude sobretudo exploratória de todas as partes, lançando para o ar sons/gestos/ideias. A reacção que se obtém do outro é modeladora e influencia os próximos sons/gestos/ideias. Ou seja, existe uma circularidade entre o sujeito e o ambiente em que se encontra, influenciando-se mutuamente. Não há só eu nem há só outro. Há um nós que se vai desenhando e que é único em cada par eu-outro. Existindo um espírito de cooperação e de desejo de interacção com o outro, a atitude inicial tem como objectivo encontrar uma musicalidade harmoniosa e fluida para ambos. Existe uma co-construção que tem sentido para ambas as partes. Neste sentido, podemos falar de uma intencionalidade prévia – de carácter intuitivo e pouco consciente – de comunicar/chegar ao outro. Faz parte da nossa característica de seres sociais. Quando este encontro acontece, sentimo-nos felizes e em comunhão com o outro. Acredito que muitas vezes esta musicalidade é perturbada pela falta de tempo, pela rigidez mental de um ou mais elementos, ou pela imposição de ideias pré-concebidas, que outra coisa não são do que estratégias para lidar com o medo de não saber. Mas, a verdade é que face a um outro não sabemos… temos primeiro que nos sintonizar com ele, de modo a conhecê-lo. A observação atenta e o silêncio cognoscente, assentes num interesse genuíno pelo outro, são lições que cedo aprendemos com os bebés. Quando estamos perante uma criança, esta atitude de espera e escuta interessada faz a diferença na construção relacional. As crianças depressa nos dizem que, neste mundo do brincar, a autoridade não é do adulto… é da co-construção da relação que vai emergindo. Foi isso que, nós terapeutas, aprendemos no ateliê de hoje. Só tínhamos uma criança, o que sem dúvida facilitou a nossa atitude de observação participante. Primeiro queríamos conhecer bem a criança e ver que “música” queria fazer connosco. Observámos que, inicialmente, existia uma confusão musical, à medida que todos os elementos vão lançando as suas ideias/sons para o ar. Nós, terapeutas, começámos por pegar nos temas do ateliê anterior e procurar alguma continuidade. O Tiago mostrou-nos que a brincadeira não tem agenda! É sobretudo regulada pela espontaneidade e pela criatividade do sentir naquele momento. Deixámo-nos conduzir por ele, sendo o nosso principal objectivo… não ter objectivo… apenas brincar livremente, saltitando de brincadeira em brincadeira. Tal como na relação mais precoce, o nosso entusiasmo era alimentado pela antecipação da surpresa que esperávamos na reacção do outro, que acrescentava mais qualquer coisa à nossa brincadeira. Foi assim que, como acontece quando se come cerejas, um gesto puxava uma ideia e desta surgia uma nova história, um novo movimento, ou seja, mais uns sons para a “pauta” relacional que compúnhamos. A atenção que tínhamos uns em relação aos outros ia funcionando como um sensor do estado afectivo do outro e impelia ajustes na nossa actuação. Sentia-se um grande respeito uns em relação aos outros. Lembro-me de quando, fingindo ser um rei leão, Tiago quis descansar um bocado e eu e a Rita quisemos continuar a brincar. O rei leão Tiago pôs claramente os dedos nos ouvidos para não nos ouvir. Nós percebemos a mensagem e continuamos a brincar, mas sem fazer barulho. O rei leão Tiago descansou. Depois, saltou do seu canto e veio para ao pé de nós e disse: Vamos brincar?
Equipa NIB
Catarina Rodrigues
Comments
One response to “Aprender com a criança”
Post a Comment | Enviar feedback (Atom)
Antes de tudo devo dizer que me sinto uma privilegiada por poder privar estes assuntos contigo :)
14 de dezembro de 2009 às 11:04Em relação a este post, simplesmeste adorei. De facto cada indivíduo é único e consequentemente tem de se moldar a outros ou simplesmente tentar compreender as suas diferenças. E quem melhor que as crianças para nos ensinar isto? Elas comandam as nossas vidas ainda antes de serem geradas :)
Não existem bons ou maus feitios, existem feitios. Uns complementam-se, outros toleram-se e outros ignoram-se só para evitar o conflito - este é um lema a seguir na vida adulta com os demais. Com as crianças é o contrário: elas ensinam-nos como agir a cada momento. Podemos errar?, podemos, errar é humano e a educação perfeita também não existe ;)
Élia Martins
Enviar um comentário